Disponibilização: quinta-feira, 7 de abril de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano XV - Edição 3483
1663
esforços da menina para se integrar ao núcleo familiar paterno, Livia ouviu da madrasta que deveria trazer água, comida e até
roupa de cama se quisesse frequentar a casa do pai. Em 2019, em um encontro casual em estabelecimento comercial da
cidade, a madrasta agrediu fisicamente a mãe de Livia, implicando em judicialização da questão e condenação da madrasta ao
pagamento de cesta básica (fl. 170). O requerido, por seu turno, confirmou que no ano de 2019, após a briga de sua esposa com
a mãe de Livia, houve o afastamento completo entre pai e filha. Informou que estava no aguardo de que a filha o procurasse e,
quando indagado sobre o motivo pelo qual não buscou se entender com a filha, afirmou que “não tem o que fazer” (fl. 174). A
conclusão da perita nomeada pelo juízo é a de que o requerido adota uma conduta passiva, enquanto sua esposa Elaine revelase com postura intimidadora e comportamento agressivo. Já a filha Livia é coerente e revela seriedade com tudo o que verbalizou,
relembrando um triste histórico de rejeição paterna. Livia esforçou-se na infância para manter o relacionamento e a afetividade
com o pai, enquanto era por ele negligenciada, impondo não somente a presença intimidadora da madrasta, como também que
a menina aceitasse o inaceitável (fl. 177). O requerido, segundo a prova pericial produzida, deu as costas ao afeto à filha, com
função paterna escassa, limitando-se a pagar a pensão alimentícia imposta judicialmente antes de pedir a exoneração dos
alimentos, implicando abandono afetivo (fl. 178). É certo que o requerido busca diga-se, sem sucesso defender-se de sua
desídia e desinteresse pela filha atribuindo à genitora da filha e até à própria filha, quando esta ainda era adolescente, toda a
responsabilidade. É comum, em casos análogos, a busca pela transferência da responsabilidade. Contudo, era sua
responsabilidade ser pai presente, compreensivo, prestativo e atencioso. A conclusão do estudo psicológico reforça algumas
das teses defendidas pelo requerido em contestação, à medida em que Marcelo entende como prioridade o auxílio financeiro
aos enteados em detrimento da própria filha, bem como sustenta que não há lei que o obrigue a amar a filha (parágrafo segundo
de fl. 105). É certo que o Poder Judiciário não pode obrigar ninguém a ser pai, tampouco a amar a filha. No entanto, aquele que
optou por ser pai - e é o caso do requerido - deve incumbir-se de sua função, que não se limita ao pagamento dos alimentos,
sob pena de reparar os danos causados aos filhos. O conceito atual de família, centrada no afeto como elemento agregador,
exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua
personalidade, como atribuição do exercício do poder familiar. Ensina Rodrigo da Cunha Pereira, precursor da tese que admite
tal indenização, “o exercício da paternidade e da maternidade e, por conseguinte, do estado de filiação é um bem indisponível
para o Direito de Família, cuja ausência propositada tem repercussões e consequências psíquicas sérias, diante das quais a
ordem legal/constitucional deve amparo, inclusive, com imposição de sanções, sob pena de termos um Direito acéfalo e
inexigível” (Responsabilidade civil por abandono afetivo. In:Responsabilidade civil no direito de família.Coord. Rolf Madaleno e
Eduardo Barbosa. São Paulo: Atlas, 2015, p. 401). Não se pode delegar a terceiros a paternidade. Aquele que deu origem ao
filho deve assumir a função paterna não apenas no plano ideal, mas legalmente. Assim, não estamos diante de amores
platônicos, mas sim de amor indispensável ao desenvolvimento da criança. A função paterna abrange amar os filhos. Portanto,
não basta ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho. O sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. É preciso ser
pai na amplitude legal (sustento, guarda e educação, acolhimento afetivo). No caso sub judice, o abandono afetivo está
plenamente caracterizado. A fixação do valor a título de indenização por dano moral tem caráter subjetivo, não havendo critérios
pré-estabelecidos para o seu arbitramento. Dito isso, cabe ao juiz, por seu prudente arbítrio e, tendo sempre em mente os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, estimar, no caso concreto, um valor justo a título de indenização e que não
implique em enriquecimento sem causa. Nesta toada, considerando o dano suportado por Lívia em virtude da completa ausência
da amparo afetivo do pai, bem como levando-se em conta o caráter pedagógico da sanção e a capacidade financeira do
requerido (fl. 119), entendo que a indenização devida pelo pai à filha, em decorrência de abandono afetivo, deve ser fixada em
20 (vinte) salários mínimos. Nesse sentido: “APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR ABANDONO AFETIVO. Sentença de
procedência. Inconformismo do réu. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. Autora que não busca reparação por desamor do
genitor, mas sim em decorrência de negligência caracterizada pela inobservância de deveres de convívio e cuidado que fazem
parte do poder familiar e que consistem em expressão objetiva do afeto. Doutrina majoritária que admite a possibilidade de
indenização pelo abandono afetivo. Entendimento pacificado pelo STJ no julgamento do REsp nº 1.159.242/SP, neste sentido.
MÉRITO. Elementos presentes nos autos que deixam clara a indiferença e negligência do genitor com relação à menor,
diagnosticada como portadora de transtorno do espectro autista. Residência em municípios distintos e participação dos avós
paternos na vida da menor que não exime o dever de convivência do genitor, a ser prestado dentro de suas possibilidades.
Prova testemunhal e laudo psicossocial produzido nos autos que bem caracterizaram o abandono afetivo e a negligência do
genitor. Indenização por danos morais arbitrada em R$ 30.000,00 que é adequada para compensar o dano suportado no caso
em tela, observada ainda sua finalidade pedagógica. Sentença confirmada. Sucumbência recursal do réu. NEGADO
PROVIMENTO AO RECURSO”.(v.32141). (TJ-SP - AC: 10020890320188260566 SP 1002089-03.2018.8.26.0566, Relator:
Viviani Nicolau, Data de Julgamento: 28/11/2019, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/11/2019) DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRETENSÃO INICIAL, nos termos do artigo 487, I, do Código de
Processo Civil, a fim de; 1) Condenar o requerido MARCELO MASSAO FURUKAWA, CPF 173.940.248-06 e RG 21.705.845, a
pagar alimentos à requerente LIVIA AYUMI DE FARIA FURUKAWA, CPF 447.422.898-70, até o dia 10 de cada mês, no patamar
correspondente a 15% dos rendimentos líquidos, assim entendidos os ganhos brutos, abatidos contribuição previdenciária e
imposto de renda, incluindo-se o décimo-terceiro salário, férias, adicionais, gratificações e horas extras. Não há incidência dos
alimentos sobre verba rescisória. Em caso de desemprego ou emprego sem carteira assinada, os alimentos são fixados em 1/3
do salário mínimo. Os alimentos deverão ser depositados na conta poupança 00038377-1, agência 0293, operação 013 da
Caixa Econômica Federal, de titularidade da requerente LIVIA AYUMI DE FARIA FURUKAWA, CPF 447.422.898-70, ou em outra
conta bancária cujos dados deverão ser diretamente informados ao requerido. Servirá cópia da presente decisão como ofício ao
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL, a ser encaminhado por
e-mail, para que proceda ao desconto dos alimentos devidos por MARCELO MASSAO FURUKAWA, CPF 173.940.248-06 e RG
21.705.845, diretamente de sua folha de pagamento, no patamar de 15% dos rendimentos líquidos, assim entendidos os ganhos
brutos, abatidos contribuição previdenciária e imposto de renda, incluindo-se o décimo-terceiro salário, férias, adicionais,
gratificações e horas extras. Os valores descontados deverão ser depositados na conta poupança 00038377-1, agência 0293,
operação 013 da Caixa Econômica Federal, de titularidade da requerente LIVIA AYUMI DE FARIA FURUKAWA, CPF 447.422.89870. Expeça-se o necessário. 2- Condenar o requerido MARCELO MASSAO FURUKAWA ao pagamento de indenização por
danos morais à filha LIVIA AYUMI DE FARIA FURUKAWA, no importe de 20 (VINTE) salários mínimos, com correção monetária
pela tabela prática do TJSP, desde a sentença, e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação. Por força do princípio da
causalidade, condeno o requerido ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que
fixo em 10% sobre o valor da condenação. Expeça-se imediatamente certidão de crédito para pagamento dos honorários
periciais em favor da psicóloga Poliana Guazelli, no valor de R$ 1.500,00 (fl. 76), a serem pagos pela Fazenda Pública do
Estado de São Paulo, tendo em vista a entrega do laudo a contento. Alertem-se às partes que embargos declaratórios não se
prestam à revisão de fatos e provas, nem à impugnação da justiça da decisão, cabendo sua interposição nos estreitos limites
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º